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quarta-feira, 30 de março de 2011

Os Pássaros




Para fazer uma surpresa a um recém conhecido, mulher vai até uma pequena cidade entregar um casal de periquitos. Chegando lá, ela se depara com pequenos ataques de pássaros, mas à medida que o tempo passa, as aves começam a agir de forma mortal, causando pânico e destruição.
Parece estranho, mas o que citei acima foi a sinopse de um filme de Alfred Hitckcock, diretor acostumado a utilizar seres humanos como vilões, mas que em Os Pássaros resolveu radicalizar, surpreendendo o mundo inteiro com esse que foi um de seus maiores sucessos de bilheteria. É interessante ressaltar que se trata aqui do último grande filme do mestre do suspense. Posteriormente ele faria bons filmes como Marnie – Confissões de uma Ladra e Frenesi, mas nada que se compare às suas grandes obras-primas.
Baseado em um livro de Daphne Du Maurier (a mesma autora de Rebecca, também filmado por Hitchcock em 1940), Os Pássaros é um dos filmes mais complexos e cheios de ambigüidades da história do cinema.
Quando Melanie (Tippi Hedren) chega à pequena cidade de Bodega Bay, acontece o primeiro ataque justamente com ela, quando é atacada dentro de um pequeno barco, depois os ataques não param mais, seja em uma festa de aniversário, seja contra os alunos saindo da escola, e, entre outros, quando algumas pessoas estão em uma lanchonete e um posto de gasolina ali ao lado é brutalmente atacado pelos animais,culminando depois no ataque final, quando o namorado de Melanie, Mitch (Rod Taylor), sua irmã Cathy (Veronica Cartwright) e sua mãe Lydia (Jessica Tandy) ficam presos na casa, sob o ataque feroz das criaturas.
Se Os Pássaros fosse feito por um diretor qualquer, veríamos um filme cheio de destruição e gente alarmada por todos os lados. Mas Hitchcock não era um diretor qualquer, mas um gênio que sabia como ninguém como provocar medo nas pessoas.  Pra isso, ele não teve pressa em recorrer ao caos que se estabelece ali naquela cidade, optando primeiramente em nos mostrar um pouco sobre cada um dos personagens principais, entre eles, além de Melanie, Mitch, Lydia e Cathy, temos também a jovem professora Annie (a bela Suzanne Pleshette), uma antiga namorada de Mitch. Muita coisa em Os Pássaros é mais sugerido do que mostrado, para que nós mesmos tiremos nossas próprias conclusões. É interessante perceber que tudo parece acontecer depois da chegada de Melanie à cidade, um exemplo é o fato de a protagonista sempre estar com uma roupa verde (a cor dos periquitos que ela carrega no início), quando tem algum ataque dos pássaros, ela sempre está por perto, e em uma cena um habitante da cidade diz que tudo aconteceu depois de sua chegada.
Hitchcock sempre foi um diretor preocupado não em criar mistérios, mas em manter o suspense, mas aqui ele não deixa pistas do que teria causado a reação violenta das aves, e nem dá um desfecho definitivo, terminando em aberto, nem mesmo o “The end” (tão usado na época) aparece nesse filme.
O inglês Hitchcock sempre procurou ser antes de tudo versátil, não em gêneros, mas dentro das propostas do que queria mostrar em seus filmes. Em O Inquilino (1926), um de seus primeiros filmes em sua fase inglesa, ela cria um interessante enredo sobre um criminoso que lembra bastante Jack, o estripador. Em 1935, no clássico Os 39 Degraus, ele faz com que Robert Donat seja alvo de uma conspiração, uma das primeiras de suas obras em que ele fala sobre o “falso culpado, um homem que leva a culpa por algo que não cometeu, algo que seria visto com mais abrangência em A Tortura do Silêncio (1953, com Montgomery Clift), O Homem Errado (1957, com Henry Fonda) e Intriga Internacional (1959, com Cary Grant). Entre suas mais famosas obras estão: Rebecca – A Mulher Inesquecível (1940, seu primeiro filme norte-americano, vencedor do Oscar de melhor filme e fotografia, estrelado por Laurence Olivier e Joan Fontaine), Quando Fala o Coração (1945, com Gregory Peck e Ingrid Bergman), Festim Diabólico (1948, com James Stewart e Farley Granger), Pacto Sinistro (1951, com Farley Granger e Robert Walker), Disque M para Matar (1954, com Grace Kelly e Ray Milland), Janela Indiscreta (1954, com James Stewart e Grace Kelly), O Homem que Sabia Demais (1956, com James Stewart e Doris Day), Um Corpo que Cai (1958, com James Stewart e Kim Novak) e Psicose (1960, com Anthony Perkins, Janet Leigh e Vera Miles, tido por muitos como seu melhor filme). Hitchcock teve cinco indicações ao Oscar de melhor direção, mas nunca ganhou.
Os Pássaros é um filme-chave para quem quer entender a obra cinematográfica de Hitchcock, é também uma aula de como se fazer cinema. Um estudo elaborado da relação homem-natureza, onde fica sempre claro que uma vez mantidos presos, é hora dos pássaros inverterem a situação contra os humanos. A cena final em que os protagonistas são atacados pelos pássaros dentro de casa, é um primor de técnica, uma façanha magistral em que Hitchcock dispensa trilha sonora (aliás, o filme inteiro não se ouve nenhuma trilha) e mostra todo o suspense através dos ataques dos pássaros e as reações daquelas pessoas. A atriz Tippi Hedren (mãe da também atriz Mellanie Griffith) é o único ponto fraco da obra, sem muita experiência, ela não é tão convincente em seu papel, mas seria usada novamente pelo diretor um ano depois em Marnie – Confissões de uma Ladra.  O final em aberto é uma das cenas mais aterrorizantes da história do cinema. Os Pássaros concorreu ao Oscar de efeitos especiais, mas perdeu injustamente para a super-produção Cleópatra. Os Pássaros é um filme magistral, uma obra-prima de um dos maiores gênios da história do cinema.


Nota: 5 de 5

Título original: The Birds

Lançamento: 1963 (EUA)

Direção: Alfred Hitchcock

Elenco: Rod Taylor, Tippi Hedren, Jessica Tandy, Veronica Cartwright, Suzanne Pleshette.

Duração: 114 minutos

segunda-feira, 7 de março de 2011

O tempo


Quando morei em Feira de Santana, aqui na Bahia, eu fazia cadastramento imobiliário. Nosso trabalho era medir o imóvel e desenhar sua forma no papel. Algo de certo modo nada simples de se fazer, mas eu havia me tornado experiente naquilo desde que trabalhei aqui em Vitória da Conquista, no mesmo ramo. Quando eu e meu auxiliar terminamos o trabalho em uma das casas, pedimos a carteira de identidade da dona do imóvel para terminarmos todo o processo. A senhora que nos atendia nos pediu pra esperarmos na sala de estar que ela iria pegar a RG. Detalhe: Não era ela a dona da casa. Ela entrou em um quarto e trouxe uma senhora bastante idosa em uma cadeira de rodas. Aquela senhora chamada Ana deveria beirar seus noventa e tantos anos de idade. Quando me mostraram o documento de identidade dela, tive uma estranha sensação naquele momento. Aquele documento era dos anos 30, onde aquela velha senhora estava com seus 23 anos, rosto cheio, cor profunda que o preto e branco deixava transparecer, uma vida plena. Eram duas fotos, uma de lado e outra de frente, coisa de documento bem antigo. E eram fotos colegiais. Blusinha com detalhes diferentes, gola pólo, saia um pouco acima dos joelhos. Confesso que entrei no mundo daquela jovem estudante, admirei sua beleza, sua formosura, seus encantos, era como se eu me apaixonasse por ela, por sua época, por tudo aquilo que a cercava e a representava. Enquanto eu anotava os dados contidos naquele documento, eu me deixava levar pela mágica da memória, dos pensamentos. Me via ali naquele colégio imaginado por mim, vendo-a jogar bola com as amigas, imaginando ela ali sentada na sala de aula, prestando atenção no que a professora ensinava. Quando precisei voltar ao mundo real, entreguei a carteira de identidade pra senhora que nos atendeu e tive uma brusca sensação de estranheza quando coloquei novamente meu olhar naquela senhora debilitada ao meu lado. Eu de certo modo me recusava a ligar os fatos que ela e aquela jovem da foto eram a mesma pessoa, uma diferença de mais de 70 anos entre elas. 70 anos de diferença é muito tempo quando você vê uma foto de uma pessoa e a mesma ali perto de você. A Ana de hoje era uma mulher praticamente sem vida, um olhar apagado, totalmente imóvel naquela cadeira de rodas. Mas durante esses mais de 70 anos o que ela teria feito em sua vida? Se casou, teve filhos, netos, bisnetos, se realizou profissionalmente, viajou pra onde queria? Em contrapartida, também pode ter sofrido muito, pode ter passado por inúmeras frustrações, dores, lutas. Mas uma coisa é certa, ela viveu sua vida. Ali naquela cadeira, debilitada e mal se mexendo (acredito que já estivesse perto da morte), Ana talvez não se lembrasse mais de quase nada em sua vida. Talvez as lembranças se evaporaram e só tenha lhe sobrado a espera dos momentos finais.
Isso me fez perceber como a vida passa, como não devemos deixar as oportunidades irem embora, como devemos aproveitar as melhores coisas que chegam em nossas vidas. Desperdiçá-la é um erro. Deixar levar por timidez que atrasam nossas vidas, só nos faz ficar arrependidos, porque deixamos que isso nos limite, deixamos que nossas fraquezas nos diga que somos incapazes de fazer coisas que seriam fáceis pra qualquer pessoa, mas que pra nós mesmos são coisas inalcançáveis. Devemos parar de sofrer por amor, não amar alguém que nem se lembra mais que existimos. Não procurar nos sentir pra baixo quando sabemos que tudo é questão de acordar com o pé direito e partir pra luta, encarar os desafios, as adversidades da vida, por mais que todo esforço pareça difícil, até mesmo impossível. Conheço histórias de pessoas com mais de 70 anos que, foram acordar pra vida agora, e só agora se dão conta de que não devem nada a ninguém e que podem sim ser felizes sem precisar dar satisfações do que fazem. Viver bem a vida não é sair por aí praticando atos de mundanismo, enchendo a cara, pisando firme no acelerador, achando que a vida é curtição e prazeres. Devemos amar e ser tementes a Deus, porque se assim não o fizermos, lá se vai tudo embora. Devemos saber viver a vida de forma digna, lembrando que o caráter, a dignidade, ninguém tira da gente. Às vezes somos incapazes de enxergar o que a vida tem de bom a nos oferecer, e ficamos amarrados a tantas bobagens que só fazem nos atrasar.
Nem todo mundo tem a oportunidade de Ana: viver quase cem anos.
Quando eu era garoto, uns 8 a 9 anos de idade, me lembro de ter chegado na escola que eu estudava, e estar ocorrendo algo diferente ali. Havia acontecido um acidente de carro gravíssimo com uma das alunas (sua idade deveria ser de 7 a 8 anos). Ela tinha cabelos curto, parecia uma daquelas bonequinhas fofolete. Parte da família se não me engano havia morrido no acidente, e ela estava mal, em coma. A diretora durante os próximos dois ou três dias nos reunia no pátio pra orarmos por aquela menina. Me lembro que depois desses dois ou três dias, fui a um mercado comprar um lápis. Quando eu ia em direção à escola, um colega me viu no caminho e me disse: “Não haverá aula, nossa coleguinha faleceu”. Nossa, pra mim aquilo foi um tremendo susto. Talvez não deveria ter sido porque ela estava em estado gravíssimo, mas eu não era acostumado a receber notícias de crianças que nos deixava. Eu sabia que pessoas velhas partiam, mas eu, na minha mente de criança, não esperava que uma pessoa assim tão novinha pudesse ir pra sempre. E eu me lembrava dela, era como se eu a visse todos os dias correndo com os coleguinhas. Ela gostava tanto de correr, brincar, era muito alegre, tão cheia de vida, mas quis Deus que pra ela a vida se resumisse a apenas 8 anos aqui na terra.
Isso começou a me preparar para as coisas tristes que viriam na vida. As perdas que tive, as amarguras pelas quais passei, os arrependimentos de tudo que eu deveria ter feito, mas não fiz. Não só eu, mas todo mundo passou, passa e passará por felicidades e tristezas em suas vidas. O que precisamos fazer é estar em pé, marchando firme nessa vida, deixar que o tempo não seja desperdiçado, mas que seja aproveitado ao máximo, com coisas boas, pensamentos agradáveis, atitudes que nos faça crescer como seres humanos. Não desistirmos dessa busca incessante pela felicidade.